
Tendo como base o artigo de Michel Foucault, apresentado em uma conferência no ano de 1970, na Universidade de Búfalo (Estado de Nova Iorque), sobre “o que é um autor”, algumas observações iniciais acerca do princípio ético da escrita contemporânea são necessárias.
O que importa quem fala? Claro que deve existir consideração pelo sujeito falante que expressa o seu pensamento e o registra em uma época. Importa, outrossim, o contexto em que se desenvolve o texto.
Se esse “texto” foi escrito por alguém que tem um nome, que se apropriou dele e se responsabilizou por ele, é óbvio que deve ser considerado. Já que houve um idealizador e um produtor, consequentemente, tem-se uma obra realizada e atribuída a alguém.
Tal discurso filosófico, político ou autoritário deu-se em um determinado tempo histórico-social e marcou um momento decisivo no campo discursivo. Faz-se necessário, pois, dizer que Foucault, em sua análise, partiu de uma época em que o autor não tinha qualquer “status” e era visto como um ilustre desconhecido.
Outro fator a ser levado em conta é que grande parte da população era analfabeta, contribuindo, dessa forma, para que a figura do autor fosse relegada ao anonimato e desconsiderada em sua função autoral.
Em outra consideração, Michel Foucault afirma ser o autor aquele a “quem se pode atribuir o que foi dito ou escrito”, conceito limitado para alguém que influencia uma cultura marcando época e deixando sinais visíveis e indeléveis dessas suas ideias, da sua presença e da sua personalidade na história, verdadeira “aura” na escala do tempo.
Autor não é um simples escritor de uma obra artística, literária ou científica, mas o instaurador de um novo espaço que se estabelece em um momento x da humanidade. Figura essa, ímpar, ou seja, não exercida de uma forma universal, importante em todos os espaços, mesclando de tal forma, vida, valores e verdades, em que, por vezes, torna-se difícil fazer a distinção entre autor e obra, em referência a texto e autor.
Claro que nem tudo que se escreve é uma obra, como nem todo discurso ou obra têm autoria. Mesmo assim, quer seja um fiador ou um signatário, o mérito é sempre o mesmo.
Textos anônimos ou renomados são sempre obras de quem projetou, arquitetou e desenvolveu algo saído do coração e de uma experiência de vida no jogo de suas relações internas.
Enfim, ter o nome de autor não é uma simples alcunha ou epíteto depreciativo, mas uma determinação honorífica a quem, por séculos, a humanidade deverá prestar preitos de gratidão.
Ainda outras conclusões podem ser acrescentadas a essa notável função-autor na sociedade: aquele, único, no gênero; um ser que une gerações na sua função transdiscursiva: um verdadeiro marco social sem fronteiras, que, mesmo afetado pela exterioridade, busca a coerência entre o seu interior e a humanidade e que nunca se apagará neste planeta, pois será um eterno cometa na história.
ORLANDI, Eni P.; LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy (Org.).
Discurso e textualidade. Introdução às ciências da linguagem.
Campinas, SP: Pontes, 2006. p.81
Resenhado por Ênio L.C. TAVARES.
Discurso e textualidade é o terceiro volume da coleção Introdução às ciências da linguagem. Essa coleção, que reúne diversos textos sobre diferentes áreas dos estudos das linguagens, constitui um documento de fundamental importância para todos que se interessam pela área.
Organizado por Eni P. Orlandi e Suzy Lagazzi-Rodrigues, respeitadas professoras e pesquisadoras na área da análise de discurso de linha francesa (AD), o livro possui elementos essenciais para quem está sendo iniciado nos estudos de AD.
O que seguirá agora é um pensamento crítico acerca das sábias palavras de vários autores na obra Discurso e Textualidade, em especial a teórica e professora Suzy Ragazzi sobre o universo do texto e de sua autoria.
Afinal, o que é dito acerca do texto na obra? Existe autoria?
Antes mesmo do capítulo intitulado Texto e Autoria da Lazazzi, encontramos algumas considerações sobre o texto que acho importante compartilhar, uma vez que é feito um percurso histórico, que nos leva às primeiras indagações sobre o texto, objeto da oratória e da retórica, assim como era visto na Antiguidade; o seu chamado “apagamento”, com a passagem dos estudos em latim para as línguas neolatinas, que durou até depois do surgimento da Linguística Moderna, em pleno século XX, quando os estudos sobre o sistema linguístico intensificaram-se, como em Saussure (estruturalismo) e, posteriormente, Chomsky (gerativismo); e seu ressurgimento tímido em Jakobson e Hjelmslev. A partir de então, vai definir o texto como visto pela linguística textual, em suas diferentes fases. Assim também, pela análise de discurso de linha francesa, que analisa o texto em relação ao discurso, como em Michel Pêcheux, já na segunda metade do século XX.
Observando o capítulo de Suzy Lagazzi-Rodrigues, encontramos a autora sugerindo um outro recorte para o texto. De acordo com a proposta de Lagazzi, o texto deveria ser estudado sob o prisma da sua relação com a autoria. Ela, então tece considerações acerca da importância da autoria, suas concepções variadas, como vista na escola, onde ela é raramente praticada não apenas por alunos, como também por professores. Ela pontua como o texto é visto pela AD. Mostra-nos que a autoria está ligada à equivocidade da linguagem, sendo esta, princípio inerente à prática “linguageira”, a opacidade. Assim, critica a concepção de que há uma relação direta entre a transparência , palavras e ideias, o que vem a ser de fundamental importância para a questão da autoria em quaisquer linguagens.
Então, qual o foco que é dado no texto da teórica da AD sobre o autor? Para definir a função autor, Lagazzi traz a contribuição dos estruturalistas Roland Barthes e Michel Foucault, cujas ideias nos mostram que a função autor relaciona-se com a exterioridade que a constrói. Que a imagem do autor não mais é vista como uma figura constituída por inspiração. O autor perde seu patamar mítico. O autor é visto dentro da sua prática de escrever. Justamente, no momento em que a autora versa sobre a autoria na textualidade, ela observa que o efeito discursivo da unidade do texto vem da autoria, passando, esta, a ser princípio necessário ao discurso. Assim, considera que o autor se constitui no processo de construção do texto, como fora apontado por Barthes. Essa afirmação é interessante no que diz respeito à escola: é importante que se criem condições para a autoria no âmbito escolar, não limitar a criatividade do aluno, limitando assim, a sua apropriação do texto e , por conseguinte a sua autoria. É importante deixar claro que quando o aluno sente-se autor, sem as ‘castrações’ usuais da maioria dos professores, a produção de texto deixa de ser ‘maçante’ e passa a ser uma prática agradável.
A autora nos leva a uma conclusão que mais pode ser lida como um desafio. Levar a autoria para o ambiente escolar e praticá-la. Assim como, fazer uso da autoria em nossas tantas linguagens como ela bem cita logo no começo do texto. Para ela existe a autoria quando se tem a apropriação do texto e quando se pode expandir seu próprio universo sobre o texto. Salientando que as suas vivências, ideologias, conhecimentos de mundo agirão diretamente na autoria do texto. Vale pontuar aqui a riqueza e autoridade das autoras no que diz respeito à análise do discurso. Ao mesmo tempo que é uma leitura rica, é extremamente prazerosa.
O que importa quem fala? Claro que deve existir consideração pelo sujeito falante que expressa o seu pensamento e o registra em uma época. Importa, outrossim, o contexto em que se desenvolve o texto.
Se esse “texto” foi escrito por alguém que tem um nome, que se apropriou dele e se responsabilizou por ele, é óbvio que deve ser considerado. Já que houve um idealizador e um produtor, consequentemente, tem-se uma obra realizada e atribuída a alguém.
Tal discurso filosófico, político ou autoritário deu-se em um determinado tempo histórico-social e marcou um momento decisivo no campo discursivo. Faz-se necessário, pois, dizer que Foucault, em sua análise, partiu de uma época em que o autor não tinha qualquer “status” e era visto como um ilustre desconhecido.
Outro fator a ser levado em conta é que grande parte da população era analfabeta, contribuindo, dessa forma, para que a figura do autor fosse relegada ao anonimato e desconsiderada em sua função autoral.
Em outra consideração, Michel Foucault afirma ser o autor aquele a “quem se pode atribuir o que foi dito ou escrito”, conceito limitado para alguém que influencia uma cultura marcando época e deixando sinais visíveis e indeléveis dessas suas ideias, da sua presença e da sua personalidade na história, verdadeira “aura” na escala do tempo.
Autor não é um simples escritor de uma obra artística, literária ou científica, mas o instaurador de um novo espaço que se estabelece em um momento x da humanidade. Figura essa, ímpar, ou seja, não exercida de uma forma universal, importante em todos os espaços, mesclando de tal forma, vida, valores e verdades, em que, por vezes, torna-se difícil fazer a distinção entre autor e obra, em referência a texto e autor.
Claro que nem tudo que se escreve é uma obra, como nem todo discurso ou obra têm autoria. Mesmo assim, quer seja um fiador ou um signatário, o mérito é sempre o mesmo.
Textos anônimos ou renomados são sempre obras de quem projetou, arquitetou e desenvolveu algo saído do coração e de uma experiência de vida no jogo de suas relações internas.
Enfim, ter o nome de autor não é uma simples alcunha ou epíteto depreciativo, mas uma determinação honorífica a quem, por séculos, a humanidade deverá prestar preitos de gratidão.
Ainda outras conclusões podem ser acrescentadas a essa notável função-autor na sociedade: aquele, único, no gênero; um ser que une gerações na sua função transdiscursiva: um verdadeiro marco social sem fronteiras, que, mesmo afetado pela exterioridade, busca a coerência entre o seu interior e a humanidade e que nunca se apagará neste planeta, pois será um eterno cometa na história.
ORLANDI, Eni P.; LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy (Org.).
Discurso e textualidade. Introdução às ciências da linguagem.
Campinas, SP: Pontes, 2006. p.81
Resenhado por Ênio L.C. TAVARES.
Discurso e textualidade é o terceiro volume da coleção Introdução às ciências da linguagem. Essa coleção, que reúne diversos textos sobre diferentes áreas dos estudos das linguagens, constitui um documento de fundamental importância para todos que se interessam pela área.
Organizado por Eni P. Orlandi e Suzy Lagazzi-Rodrigues, respeitadas professoras e pesquisadoras na área da análise de discurso de linha francesa (AD), o livro possui elementos essenciais para quem está sendo iniciado nos estudos de AD.
O que seguirá agora é um pensamento crítico acerca das sábias palavras de vários autores na obra Discurso e Textualidade, em especial a teórica e professora Suzy Ragazzi sobre o universo do texto e de sua autoria.
Afinal, o que é dito acerca do texto na obra? Existe autoria?
Antes mesmo do capítulo intitulado Texto e Autoria da Lazazzi, encontramos algumas considerações sobre o texto que acho importante compartilhar, uma vez que é feito um percurso histórico, que nos leva às primeiras indagações sobre o texto, objeto da oratória e da retórica, assim como era visto na Antiguidade; o seu chamado “apagamento”, com a passagem dos estudos em latim para as línguas neolatinas, que durou até depois do surgimento da Linguística Moderna, em pleno século XX, quando os estudos sobre o sistema linguístico intensificaram-se, como em Saussure (estruturalismo) e, posteriormente, Chomsky (gerativismo); e seu ressurgimento tímido em Jakobson e Hjelmslev. A partir de então, vai definir o texto como visto pela linguística textual, em suas diferentes fases. Assim também, pela análise de discurso de linha francesa, que analisa o texto em relação ao discurso, como em Michel Pêcheux, já na segunda metade do século XX.
Observando o capítulo de Suzy Lagazzi-Rodrigues, encontramos a autora sugerindo um outro recorte para o texto. De acordo com a proposta de Lagazzi, o texto deveria ser estudado sob o prisma da sua relação com a autoria. Ela, então tece considerações acerca da importância da autoria, suas concepções variadas, como vista na escola, onde ela é raramente praticada não apenas por alunos, como também por professores. Ela pontua como o texto é visto pela AD. Mostra-nos que a autoria está ligada à equivocidade da linguagem, sendo esta, princípio inerente à prática “linguageira”, a opacidade. Assim, critica a concepção de que há uma relação direta entre a transparência , palavras e ideias, o que vem a ser de fundamental importância para a questão da autoria em quaisquer linguagens.
Então, qual o foco que é dado no texto da teórica da AD sobre o autor? Para definir a função autor, Lagazzi traz a contribuição dos estruturalistas Roland Barthes e Michel Foucault, cujas ideias nos mostram que a função autor relaciona-se com a exterioridade que a constrói. Que a imagem do autor não mais é vista como uma figura constituída por inspiração. O autor perde seu patamar mítico. O autor é visto dentro da sua prática de escrever. Justamente, no momento em que a autora versa sobre a autoria na textualidade, ela observa que o efeito discursivo da unidade do texto vem da autoria, passando, esta, a ser princípio necessário ao discurso. Assim, considera que o autor se constitui no processo de construção do texto, como fora apontado por Barthes. Essa afirmação é interessante no que diz respeito à escola: é importante que se criem condições para a autoria no âmbito escolar, não limitar a criatividade do aluno, limitando assim, a sua apropriação do texto e , por conseguinte a sua autoria. É importante deixar claro que quando o aluno sente-se autor, sem as ‘castrações’ usuais da maioria dos professores, a produção de texto deixa de ser ‘maçante’ e passa a ser uma prática agradável.
A autora nos leva a uma conclusão que mais pode ser lida como um desafio. Levar a autoria para o ambiente escolar e praticá-la. Assim como, fazer uso da autoria em nossas tantas linguagens como ela bem cita logo no começo do texto. Para ela existe a autoria quando se tem a apropriação do texto e quando se pode expandir seu próprio universo sobre o texto. Salientando que as suas vivências, ideologias, conhecimentos de mundo agirão diretamente na autoria do texto. Vale pontuar aqui a riqueza e autoridade das autoras no que diz respeito à análise do discurso. Ao mesmo tempo que é uma leitura rica, é extremamente prazerosa.