quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Dispositivos, Mídias e Educação: a cibercultura dentro e fora da escola do século XXI.


Dispositivos, Mídias e Educação: a cibercultura dentro e fora da escola do século XXI.
Ênio Tavares

 

                Em uma época de inúmeras mudanças sociais, culturais, econômicas, ideológicas e políticas, a ideia que fazemos de “sociedade do conhecimento” parece modificar-se. Ferreira (2009) apud Demo (2005) sugere uma noção de “sociedade intensiva de conhecimento”. Surgem novas maneiras de pensar, de conviver em sociedade e faz-se necessário entender todo o furor contemporâneo para então ser atuante nela. Neste sentido, Lévy (1999) destaca a impossibilidade de separação do humano de seu ambiente material, pois, “as tecnologias são produto de uma sociedade e de uma cultura.” A quantidade de informações, cada vez mais acelerado, se multiplica e é cada vez mais complicada a tarefa de filtrar tanto conhecimento e informação através do facebook, sítios, redes sociais em geral, programas de comunicação instantânea, blogs e instalgrams são algumas das possibilidades que o avanço da tecnologia tornou possível. Porém, é preciso cuidado ao usar o termo tecnologia, pois é amplo e pode receber inúmeros significados dependendo do contexto. Tecnologia está ligada a alguns conceitos como: artefato, ferramenta, cultura, técnica, conhecimento, trabalho, ciência e outros. Na educação as tecnologias são entendidas como ferramentas pedagógicas que podem auxiliar na prática docente.

              Não é suficiente apenas a disponibilização de aparatos tecnológicos,  é importante entender como utilizá-los a favor da mediação do conhecimento e da informação e também como possibilidade de interação e de colaboração entre integrantes do cotidiano escolar.

              O papel atual da chamada cibercultura, como voz do cotidiano, é marcado pela formação da opinião pública e na elaboração do imaginário, seja no contexto social ou individual. Costella (2002): “Sendo tudo tão rápido nessa evolução, até a palavra que se usa para nomear o mundo novo de pulsações binárias é de criação recente.” Seguindo com o texto, o autor faz alusão ao primeiro momento em que o termo foi citado por William Gibson em 1984. Nascia o termo ciberespaço. Os movimentos, atitudes e cultura dentro desse espaço são chamados de cibercultura. Trabalhando com a palavra enquanto signo ideológico, um texto de apresentação de determinado programa educativo na Web - World Wide Web ("rede de alcance mundial", também conhecida como www) influencia o cotidiano do grupo a que se destina, uma vez que a palavra representa e constrói.

                A palavra discurso origina-se do latim discurrere  que, por sua vez vem do próprio latim currere e significa discorrer, expor, atravessar, algo que flui e, portanto, que sugere movimento contínuo (MOUILLAUD, 1997). Até aproximadamente os anos sessenta do século passado, conhecíamos discurso como sinônimo de mensagem, informação, pronunciação de palavras combinadas em frases. Nesta época, entretanto, surgia na França uma das ciências da linguagem, a Análise do Discurso, como forma transdisciplinar de reflexão dos processos discursivos, analisados à luz da linguística, da psicanálise, da história, com base na filosofia marxista e tendo Michel Pêcheux como fundador da vertente francesa. Para ele, mais do que simples objeto da linguística, os discursos são produtos culturais e ideológicos e sua análise deve se processar sob o ponto de vista dessas determinações. Charaudeau (2003) “Informação, comunicação e meios são as palavras chaves do discurso da modernidade.” O autor mencionava palavras que se tornaram moda no discurso e que provocam a ilusão que carregam em si um poder explicativo. Pêcheux, por sua vez, inspirou-se em Foucault, que definiu discurso como um conjunto de enunciados que provém de um mesmo sistema de formação discursiva (FOUCAULT, 1971).  

                Tais abordagens são complementadas por várias vertentes de análise e diferentes autores, como Mikhail Bakhtin, que tomou da música o termo polifonia, para caracterizar a heterogeneidade dos discursos e o atravessamento de muitas vozes que os compõem, concordantes ou discordantes, mas sempre em dialogismo. Logo, a palavra é entendida como discurso interior, presente em todas as relações entre indivíduos, gerenciando o desenvolvimento social, cultural e político que, em última instância, formam a base ideológica do indivíduo e da sociedade na qual ele se insere (BAKHTIN, 1997). Logo, considerando o mundo em que o homem hipermoderno está inserido, temos um discurso com possibilidade de metamorfose imediata e digitalizado. Lévy (2000) “[...] todas as mensagens se tornam interativas, ganham uma plasticidade e têm uma possibilidade de metamorfose imediata.”

               O homem é um ser tecnológico, em contínua relação de criação e controle. Dentre as várias tecnologias presentes na história da humanidade, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) compreendem os recursos tecnológicos que possibilitam a transmissão de informação através de diferentes meios de comunicação, como o jornal (impresso, televisivo e radiofônico), livros, computadores etc. Parte desses recursos inclui meios eletrônicos, surgidos no final do século XX, como o rádio, a televisão, gravador de áudio e vídeo, além de multimídias, redes telemáticas, robótica, entre outros. Entre esses recursos, os celulares, MP3 Players, tablets e laptops têm sido objetos de pesquisas no meio acadêmico pelas possibilidades que oferecem no processo de ensino-aprendizagem. Esses instrumentos fortalecem a aprendizagem com mobilidade.

               É consenso entre os diversos autores pesquisados e atores educacionais a revolução que as novas mídias estão causando na sociedade e a escola, local privilegiado para a construção e reconstrução de saberes que não está alheia a este fenômeno.  Este novo modelo de apropriação e difusão de informações convoca os profissionais da educação a acompanharem este processo de transição entre a mídia impressa e a mídia digital, inclusive através de dispositivos móveis.

                Segundo Moran (2006) “a Internet pode ajudar o professor a preparar melhor a sua aula, a ampliar as formas de lecionar, a modificar o processo de avaliação e de comunicação com o aluno e com os seus colegas”.

               A utilização das TICs por parte dos docentes em sua rotina escolar deve estar amparada em um material de apoio que estimule e o auxilie a apropriar-se das mesmas. Mas esta apropriação não é passível de uma simples leitura. Para que os professores realmente assimilem estes novos conteúdos e saibam como utilizá-los se faz necessária a quebra de antigos paradigmas e a construção de uma nova postura. Características como autocrítica, criatividade, curiosidade, dinamismo, habilidade de lidar com novas conjunturas, estão entre algumas das novas posturas deste educador que busca capacitação para utilizar as TIC em sala de aula. Para Alves & Carli (2009):


a mediação tecnológica, portanto, desafia os educadores a se apropriarem das linguagens e das técnicas de produções midiáticas com a intencionalidade de produzir sentido/significados na interatividade com os educandos.
 
 
 

 


               Nessa perspectiva, mais importante que o professor dominar as técnicas, é estar apto a construir o percurso com os estudantes, que muitas vezes, já se apropriaram das tecnologias.

               Observamos que muito do que dizem sobre os professores, pelo menos, aqueles com os quais mantivemos contato, sobre serem conservadores e relutarem bastante sobre o uso das TICs e em especial o uso dos dispositivos móveis no processo de aprendizagem, pode ser muito mais fruto de representações culturais.

               Como destacado por Demo em seu artigo “Habilidades para o século XXI”, “a internet está nos atropelando de maneira perplexa, já que não damos mais conta minimamente de acompanhar o turbilhão caótico de informações vigente e crescente”.  O educador contemporâneo deve partir da compreensão de que o aluno de hoje necessita desenvolver novas habilidades que vão além do mero uso destas tecnologias e informações. Acima de tudo, ele deve ser um leitor crítico e seleto desses dados, mostrar-se apto a se comunicar e reconstruir os conceitos a que tem acesso.

               Partindo das contribuições já mencionadas se entende que é imperativo refletir sobre os vários enfoques que podem ser dados à formação, além daquele focado na vertente acadêmica, perpassando, assim também, por áreas de desenvolvimento pessoal, onde os contextos abordados se inter-relacionam e se complementam, evidenciando a postura de um sujeito dinâmico frente às exigências atuais e aspirações, principalmente, no campo educacional.

               Diante desse contexto, Graziola Junior (2009) apresenta uma nova modalidade de TIC, as tecnologias da informação móveis e sem fio (TMSF) que consistem em dispositivos computacionais portáteis tais como PDAs, laptops, smartphones, dentre outros, que utilizam redes sem fio.

Para o autor, o mobile learning pode potencializar o processo de ensino-aprendizagem pelo fato de o aluno contar com um dispositivo computacional móvel para execução de tarefas, anotação de ideias, consulta de informações via internet, registro de fotos através de câmeras digitais, gravações e sons. Além disso, poderá prover acesso a conteúdos  em qualquer lugar e a qualquer momento, desenvolver métodos inovadores de ensino e de treinamento  e expandir os limites da sala de aula.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

               Várias teorias têm buscado respostas para esse novo campo educacional, a educação com mobilidade. (SIMENS, 2008) defende que a aprendizagem está fora e dentro do sujeito. Pachler, Bachmair & Cook (2010) propuseram um modelo conceitual para mobile learning, visualizado em termos ecológicos como parte de contextos socioculturais e pedagógicos em transformação. Os autores estabelecem que o processo de aquisição de conhecimento está envolvido a partir de múltiplos contextos.

               Para que possamos entender a importância de uma nova tecnologia digital e apreciar porque tal tecnologia tem um papel representativo em nossas vidas, faz-se necessário entender que tal tecnologia pode ser muito valiosa para reposicionarmos os valores de antigas tecnologias em nossas vidas (LAURILLARD, 2010).

               O aspecto da mobilidade parece um traço curioso no vasto campo da aprendizagem. É definida, inteiramente, por uma característica que a difere das outras tecnologias, ou seja, a mobilidade em si. Uma tecnologia móvel incorpora capacidades digitais já conhecidas por nós e o simples fato dessa capacidade já gera um campo de estudos conhecido como mobile learning.

               O aparecimento dos computadores e, mais recentemente, os dispositivos móveis agiram, sem dúvida, como um divisor de águas que revolucionou a vida do homem, pois trouxe muitas facilidades, bem como automatizou as nossas atividades em todas as áreas do saber. Com o computador, tudo ficou mais prático, veloz e preciso. Novas áreas surgiram, bem como, obrigou as pessoas a se especializarem; ampliando, inclusive, o leque de profissões. Há vinte ou trinta anos atrás, seria improvável pensarmos em um analista de redes sociais, gerente de e-commerce, especialista em ferramentas de inovação, nano técnico, desenvolvedor de Apps etc.

 

Nossos jovens e o ambiente escolar


Nossos jovens e o ambiente escolar

 

                Ao vivenciarmos as novas formas de mobilidade, lazer, interatividade e aprendizagem mediadas por tecnologias digitais, questionamos se esta escola, tanto no que se refere ao que ensina como à forma como ensina, está adequada aos tempos atuais, ou se está muito aquém do mundo no qual o jovem e a escola estão inseridos (OWEN, GRANT, SAYERS & FACER, 2006).

Pensemos como há mais de um século buscávamos e adquiríamos conhecimento, informações e lazer. As pessoas liam folhetins, jornais, deslocavam-se às salas de concerto ou de espetáculos para terem acesso a tudo isso.  As transmissões de rádio e televisão, assim como as gravações de discos e posteriormente a introdução de alguns aparelhos em nossos lares: vídeo cassetes, CDs, DVDs etc. trouxeram o entretenimento de massas para dentro de cada casa. Nos últimos anos, a Internet causou uma segunda revolução, permitindo que as pessoas criassem o seu próprio entretenimento através de software e aplicativos. As pessoas criam seus vídeos e postam. A informação agora pode ser posta à discussão em fóruns abertos, os conteúdos são colocados ao mundo. Nunca nossas vidas foram tão observadas e monitoradas. Há um século, as crianças vestiam seus uniformes e seguiam às escolas para participarem de aulas formais em um ambiente formal onde sentavam umas atrás das outras em fileiras e recebiam instrução de um professor que exigia silencia para que houvesse um processo de aprendizagem conveniente e eficaz. Hoje. Interessante! Hoje, ainda fazem o mesmo!

                  Devemos nos questionar quais as razões que levam as escolas a se manterem no século anterior e o porquê da educação ser assim tão resistente à mudança. As tecnologias móveis e sem fios vêm transformando o conceito de aprendizagem ao mudarem o modo de aprender e pesquisar. Knight (2005) As competências de que necessitamos atualmente estão relacionadas com o ser capaz de distinguir fontes de informação fidedignas das que não têm credibilidade. O fato de estar cercado por conhecimento e informações não quer dizer que tudo que vemos, lemos e interpretamos é realmente aquilo que se propõe a informar ou ensinar. Saber filtrar seria uma capacidade de suma importância no século XXI. Ferreira (2009) “assim como filtrar, resumir e analisar criticamente diferentes fontes de informação.” Shuler ( 2009) “Hoje em dia já se fala de um letramento com mobilidade no sentido da necessidade de desenvolvimento de competências voltadas ao móvel”.  Como os usuários farão a gestão da ubiquidade e pervasividade diante dos seus dispositivos móveis.  Não podemos negar que o uso de tantos aparelhos móveis facilitam uma gama de habilidades digitais essências para o desenvolvimento de competências digitais e tecnológicas que incorporam tarefas colaborativas vitais na sociedade contemporânea que se caracteriza pela globalização e midiatização (FERREIRA, 2009). Contudo, chegamos sempre ao mesmo denominador, uma vez que pesquisas e literatura disponíveis nos apontam que a prática escolar ainda não favorece a obtenção e desenvolvimento das tais competências digitais e tecnológicas. A escola ainda não oferece respostas adequadas aos desafios colocados pelas práticas digitais criativas e pelas competências de comunicação que têm sido desenvolvidas pelos jovens no dia-a-dia. Estas práticas permitem um grau de personalização muito maior do que as experiências de aprendizagem em contexto escolar (FERREIRA apud GREEN, FACER, RUDD, DILON & HUMPHREYS, 2005).

              Em outro momento do texto, dialogávamos sobre como as práticas de muitos jovens difere da realidade escolar. Parece que algumas instituições ingenuamente não se deram conta do perigo que correm separando e distanciando o cotidiano dos alunos da realidade da vivência e rotina dos mesmos na escola. Drotner (2008) “Como é que as práticas e experiências digitais dos jovens influenciam as suas atitudes relativamente à aprendizagem e práticas educacionais?” Muito interessante o diálogo que o autor propõe em relação às práticas dos jovens e das escolas. Quais são os momentos de conflito. Se há e o porquê de tais conflitos. Como está a situação das atividades, do suporte de aprendizagem que a escola oferece e a reação dos discentes. Até que ponto as práticas devem ser adequadas aos jovens? Dialogando com o autor sobre a importância dessa aproximação e o papel das tecnologias e mídias em relação às pessoas, eu escrevi:

 
“É importante ressaltar suas interações perceptivas, emocionais, cognitivas e comunicativas com as pessoas. Além disso, ela apresenta uma lógica e uma linguagem bem singular. É conveniente apontar que as mídias interferem em nossa forma de pensar, agir, em nossos relacionamentos e ainda adquirimos conhecimento. As TIC são vistas como complementos, companhias, como continuação de espaço de vida.”    ( BARROS, LUIGI e TAVARES , 2011)